Os Profetas do Antigo Testamento são ponto de partida e referência
para a compreensão da missão profética da Igreja. O Profetismo
pressupõe: 1) um chamado da parte de Deus; 2) a reação de quem é
chamado; 3) a resposta ao chamado. Deus escolhe e chama quem Ele quer. A
reação em geral é de perplexidade, susto, a começar pela dúvida se é
Deus mesmo quem está chamando. O menino Samuel, à noite, no templo, ao
ouvir a voz que lhe chamava: "Samuel, Samuel", pensa que é o sacerdote
Eli que lhe chama. Quando entende que a voz é de Deus, responde: "Fala,
pois teu servo ouve" (1 Sm 3,10).
Além da dúvida, há também a resistência humana. Isaías se considera
um homem de lábios impuros (Is 6,5), mas depois responde: "Eis-me aqui,
envia-me a mim" (6,8). Jeremias contesta dizendo: "eu não sei falar
porque sou ainda criança" (Jr 1,6); e a resposta de Deus: "eis que ponho
as minhas palavras em tua boca" (Jr 1,9). Ezequiel reclama do povo: são
"filhos de cabeça dura e coração de pedra, bando de rebeldes" (Ez
2,4.5). Amós ouve do sacerdote Amasias que "em Betel não deverás
insistir em profetizar", enquanto Deus lhe diz: "vai profetizar para
Israel, meu povo" (Am 7,15). E assim por diante. Jonas resmunga o mais
que pode, mas acaba indo falar ao povo de Nínive, e este se converte.
Jesus de Nazaré é reconhecido como Messias (Cristo) porque, no seu
ministério, realiza e cumpre o que os profetas anunciaram acerca daquele
que Deus enviaria para redimir a humanidade do pecado e libertá-la das
mais diversas opressões, doenças, espíritos malignos, injustiças, fome,
etc. Quando João Batista, da prisão, manda seus discípulos perguntarem:
"és aquele que há de vir ou devemos esperar outro?" (Lc 7,20), Jesus,
primeiro, "curou a muitos de doenças, de enfermidades, de espíritos
malignos, e restituiu a vista a muitos cegos" (v. 21); depois lhes
respondeu: "Ide contar a João o que estais vendo e ouvindo: os cegos
recuperam a vista, os coxos andam ... e aos pobres é anunciado o
Evangelho" (v. 22).
Jesus Cristo é antes de tudo um profeta porque é homem da Palavra.
Realiza o anúncio (kerygma) e o ensino (didaquê). É um mestre
(didáskalos). E, na sua didática, qual é o anúncio que proclama? Que "o
tempo se completou e o Reino de Deus está próximo" (Mc 1,14-15). E que
Deus é Pai – Pai nosso – um pai de bondade, de ternura, de misericórdia,
de compaixão. Um pai que acolhe em seus braços o filho que foi embora,
que se perdeu, mas que se arrepende e volta. Pai que festeja o retorno
do filho, no abraço e na festa (cf. Lc 15,11-32). O povo, ao ver e ouvir
Jesus, ficava admirado: "extasiavam-se com seu ensino, porque lhes
ensinava com autoridade" (Mc 1,22); "nunca vimos coisa igual!" (Mc
1,12); "de onde lhe vem tudo isto? E que sabedoria é esta que lhe foi
dada?" (Mc 6,2); "um grande profeta surgiu entre nós e Deus visitou o
seu povo" (Lc 7,16).
Os apóstolos, a começar pelo grupo dos Doze, chamados cada um pelo
nome, foram escolhidos por Jesus para realizarem e continuarem sua
missão. Dá-lhes "autoridade de expulsar os espíritos imundos e de curar
toda a sorte de males e enfermidades, ... proclamando que o Reino dos
Céus está próximo" (cf. Mt 10,1.7). Colocados à frente dos futuros
discípulos e discípulas, indicam que a Igreja tem a missão profética de
continuar a presença libertadora e a obra salvífica de Jesus na
História.
Rejeição e humilhação. Os profetas, ao proclamar a palavra de Deus,
falar a verdade, defender os pobres, proclamar a justiça, denunciar a
injustiça, são incompreendidos, perseguidos e até martirizados.
Enfrentam com coragem os poderosos, como Elias diante do rei Acab, Natan
diante do rei Davi, João Batista diante de Herodes, etc. Nos salmos, a
realidade da rejeição se transforma em oração: "Senhor, estamos fartos
do escárnio dos ricaços e do desprezo dos soberbos" (cf. Sl
122/123,3-4).
Cristo é rejeitado, preso, condenado, maltratado e morto (e morte de
cruz, cf. Fl 2,8) por determinação das autoridades religiosas e do poder
romano. De fato, aos apóstolos já predissera: "eis que eu vos envio
como ovelhas entre lobos ... Guardai-vos dos homens: eles vos entregarão
aos sinédrios e vos flagelarão ... E, por causa de mim, sereis
conduzidos à presença de governadores e reis, para dar testemunho
perante eles e perante as nações" (Mt 10,16-18).
O livro dos Atos dos Apóstolos traz diversas passagens que narram
perseguições, angústias, prisões pelas quais passaram Pedro, Paulo e os
outros apóstolos. A Timóteo, discípulo e colaborador, Paulo exorta:
"assume a tua parte de sofrimento como um bom soldado de Cristo Jesus"
(2 Tm 2,3). No final de sua vida, sente que será oferecido em sacrifício
e que receberá a coroa do martírio (cf. 2 Tm 4,6-8).
Confiança em Deus. A força do Profeta vem de Deus, conforme revelou
Cristo a Paulo: "basta-te a minha graça. Pois é na fraqueza que a força
se manifesta" (2 Cor 12,9a). Paulo, sabendo em quem colocou sua
confiança, exprime, de diversos modos, essa certeza: "se Deus é por nós,
quem será contra nós?" (Rm 8,31); "quem nos separará do amor de
Cristo?" (Rm 8,35); "tudo posso naquele que me dá força" (Fl 4,13); "eu
me gloriarei das minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite em
mim" (2 Cor 12,9b).
E a Igreja reza: "ó Deus, que pela humilhação do vosso filho,
reerguestes o mundo decaído, enchei os filhos e filhas de santa alegria e
dai aos que libertastes da escravidão do pecado o gozo das alegrias
eternas" (14º domingo TC).
A humildade é virtude a ser exercitada pelo cristão e evangelizador:
"aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será
exaltado" (Mt 23,12; Lc 14,11; 18,14). Sofrer e ser humilhado são
conseqüências de quem anuncia a palavra de Deus e não a sua; a verdade
do Evangelho e não a própria. De quem se coloca a serviço, como fez o
Cristo: "eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve" (Lc
22,27).
A Igreja continua a missão dos profetas, dos apóstolos e do próprio
Filho de Deus, anunciando, testemunhando, realizando sinais, para a vida
do mundo. Nisto consiste sua essência, sua verdadeira identidade, sob a
orientação e inspiração do Espírito Santo, na força da oração.
+Dom Armando Martín Gutierrez
Bispo Diocesano
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